quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Barrinha de Itajuba – Beleza Natural ou Problema ?


Na última semana precisamente no dia 25 de junho de 2016 aconteceu uma cerimônia de entrega à comunidade de uma ação municipal na Praia de Itajuba. O lugar em questão fica localizado na Praia das Pedras Brancas ou popularmente Praia da Barrinha, nomeada assim por estar limítrofe a desembocadura do Rio Itajuba. A famosa Barrinha do Itajuba já foi assunto e tema de muitas e apaixonadas discussões, e agora não poderia ser diferente.
Porque elementos geográficos ou geológicos como florestas ou uma praia ou mesmo um rio podem vir a se transformar abruptamente de belezas naturais em problemas e debates muitas vezes acaloradas?
Para entender o que está acontecendo com a atual situação da região do estuário do principal rio em Itajuba vamos voltar no tempo, a aproximadamente 25 ou 30 anos atrás quando da explosão imobiliária na região começou a discussão sobre o tema Barrinha de Itajuba.  Imobiliárias locais ofereciam terrenos e edificações já construídas para a venda de forma frenética, apregoando que a região limítrofe ao longo do Rio Barreirinhas poderia inclusive se transformar em uma marina para barcos esportivos ou de recreação.  Aí você pergunta: Rio Barreirinhas? Sim, o braço ou afluente que tem sua origem mais ao norte tem essa nomenclatura em diversos mapas geofísicos e de microbacias da região. O nome Rio Itajuba é dado ao braço mais a oeste, proveniente das antigas nascentes que estavam localizadas do outro lado da BR 101 em direção ao bairro Medeiros. Com isso muitas novas propriedades foram sendo implantadas com construções nem sempre respeitando a legislação, culminando com inúmeras e devastadoras agressões ao rio com a supressão completa de vegetação ciliar e desmatamento total de árvores remanescentes da Mata Atlântica então presente.

Esgoto e construções irregulares às margens do Rio Itajuba


Com este cenário descortinando-se com inúmeras habitações e até pequenas indústrias pesqueiras entre outras, despejando seus resíduos e esgotamento sanitário diretamente no curso d’água, e somando-se a isso as chuvas intensas começam a carregar terra, areia e outros entulhos para dentro do leito do rio. Como isso acontece?  Sem a devida proteção proporcionada pela vegetação ciliar, que filtra esse resíduo, toda e qualquer matéria orgânica e não orgânica não tem nenhum impedimento em alcançar o leito do rio e ali se depositando. Com isso é natural que a profundidade e mesmo a largura do rio inicie um gradual processo de diminuição, chamado assoreamento, causando o primeiro problema sentido por todos os moradores ribeirinhos e o bairro em geral; as enchentes!
Foz do rio em dia de enchente
Lamentavelmente o problema das enchentes não é o mais grave, apesar de incomodar a todos e proporcionar grandes prejuízos financeiros. As enchentes bem como o fechamento da foz do Rio Itajuba (Boca da Barrinha) pela areia e terra são apenas consequências. A causa de todos estes problemas tem sua origem na diminuição de vegetação e supressão das árvores nativas de toda a microbacia fluvial.  Aí você pergunta: O que? Como as árvores podem interferir no rio?
Como isso acontece?  Inicialmente precisamos entender que um rio só existe quando há umidade suficiente no solo para que essa umidade aflore (chegue a superfície) formando um pequeno fio de água corrente. Somando-se diversos fios de água, logo teremos um riacho e com diversos riachos teremos um rio. As tão comentadas nascentes subterrâneas são provenientes de afloramentos de água de aquíferos ou apenas infiltrações resultantes de acumulação de águas represadas em outro local. Para que as nascentes ocorram, é preciso que o solo tenha umidade suficiente para permitir a expulsão desta água para a superfície, determinando o início de um riacho. Sabendo disso vemos no caso específico do Rio Itajuba a diminuição lenta e gradativa do volume de água produzido nas suas nascentes, chegando hoje a existir apenas dois braços principais.
O acompanhamento e monitoramento dos volumes de água existentes no leito do rio tem nos avisado de que a cada ano, a vazão diminui. Segundo observações e acompanhamentos otimistas a atual vazão reduziu-se a 70% ou 60% do original ou até menos do que isto. Estima-se que anteriormente em períodos de estiagem o rio supria de 250 a 300 litros por segundo na sua foz. Nos dias atuais com estiagem prolongada a vazão muitas vezes não chega a 100 litros por segundo, chegando a casos extremos a não ter mais vazão e energia suficiente para se sobrepor à força das ondas e das marés. Dessa forma nem a areia trazida pelo mar e nem a terra levada pelo rio conseguem ultrapassar um ao outro resultando no encontro das águas e encontro da terra com a areia que acaba sendo depositado ali mesmo na foz do rio. Nos anos passados a municipalidade até utilizava-se de tratores para de forma forçada abrir a foz do rio para permitir o escoamento dos dejetos e lixo acumulado, fatos que proporcionavam insuportável e fétido odor.
Os moradores e habitantes mais antigos podem ser consultados sobre a fartura de peixes e crustáceos oferecidos pelo rio a mais de 30 anos atrás. Quem não lembra inclusive das grandes quantidades de camarão presentes às margens do rio quando anoitecia, proporcionando o recolhimento de forma fácil e manual. Robalos de 3 a 4 kg ou até maiores eram pescados na confluência do rio com a Rua João Fernandes da Costa.
Tubulação sub-dimensionada para passagem do Rio


Praia fluvial que não mais existe 
Com este panorama delineado chegamos então agora ao tão discutido assunto de realizar alguma obra para desassoreamento da foz do Rio Itajuba. Essa ação foi solicitada por muitos como a salvação e solução de todos os problemas que o rio passou a apresentar. Vamos deixar bem claro que nenhuma obra que seja executada na foz do rio, em qualquer rio, seja a solução. A única solução é recuperar de forma imediata do rio como um todo!
Apresentado um projeto  pela municipalidade já no passado ano de 2015, este foi realizado no primeiro trimestre de 2016 e finalizado no dia 14 de março de 2016.  A realização desta obra segundo as autoridades foi uma solicitação da comunidade. As justificativas apresentadas para a realização desta obra que custou R$ 1.131.224,95(um milhão, cento e trinta e um mil, duzentos e vinte e quatro reais e noventa e cinco centavos) foram diversas, mas as duas mais comentadas foram: “Extinção das enchentes e acesso ao leito e margens internas do rio para abrigo e guarda de embarcações de pesca”. O projeto, execução, custo, formatação e finalização foram contestados por diversas entidades e pessoas, mas isso não foi levado em consideração. Poucos meses depois de concluída a obra não cumpriu o que prometia. Segundo consta, existe licenciamento ambiental autorizando o empreendimento. Cumpre citar que licenciamento ambiental NÃO É a mesma coisa que Estudo de Impacto Ambiental. O primeiro apenas autoriza a execução de uma obra que cumpra parâmetros básicos constantes na legislação pertinente. O segundo demanda trabalho técnico elaborado com extrema competência e atenção para estudar todas as possíveis alterações que possam resultar na execução da obra em questão.  O fato é que apenas 4 meses depois da entrega da tal obra para a comunidade, o rio volta a apresentar os mesmos problemas existentes antes de sofrer a interferência.
O estudo de impacto ambiental mapeia e cataloga espécies e espécimes endêmicas, sejam vegetais e animais. Estuda a alteração de direção de cursos d’água, ação e direção das correntes marítimas sobre a costa limítrofe e diretamente sobre a desembocadura do rio. Estuda como será alterada a salinidade do rio em questão quando se realiza um alargamento e aprofundamento mecânico da foz de um rio em contato com o mar. Estuda toda a mecânica das águas com simulações e cálculos onde o encontro da água doce com a água salgada muda completamente conforme se altera a configuração da jusante de um curso d’água. Enfim, estuda tudo que possa de alguma forma criar alguma alteração que afete negativamente o elemento em questão.
A motivação emocional nunca pode se sobrepor ao diagnóstico técnico, ecológico e ambiental bem embasado numa obra desse porte, com risco de que sejam criados mais outros problemas que soluções definitivas. Ficando bem claro que mesmo na natureza não existem soluções definitivas. No caso em questão além do gasto desnecessário de recursos públicos vemos que a execução equivocada de um projeto está a gerar conflitos e outras ideias ainda mais estapafúrdias. Agora até se comenta de realizar mais um pavoroso molhe de contenção na margem sul do Rio Itajuba. Ou seja: Não estamos mais interessados no rio. O rio atualmente virou um incômodo. De repente passou de herói a vilão. Não satisfeitos em destruir uma das margens agora está se cogitando destruir a outra margem também. Quanto mais se altera a configuração inicial de uma beleza natural existente, mais se destrói esta mesma beleza. Até então tínhamos um lindo rio com uma bela praia na sua margem esquerda (norte).  Bela formação de pedras com visão privilegiada do costão ali existente. Vegetação nativa em ambas as margens. Rio limpo convidando ao banho e contemplação.
Rio Itajuba após um dia de enchente

Foz do Rio Itajuba fechada pelo baixo volume de água

Abrindo a foz do rio com máquina
A deposição de grande quantidade de areia na margem sul não acontece por acaso. A alteração no fluxo das marés, a diminuição da vazão do volume de água, a construção do molhe de contenção na margem norte, a intensa quantidade de detritos levados para dentro do rio com as chuvas também são coadjuvantes nesse processo. As alterações apresentadas acabam por mudar a topografia e geografia das praias vizinhas, haja vista a própria Praia das Pedras Brancas e também a Praia do Grant que já apresentam processos erosivos graves. Ou seja, além de estarmos destruindo o rio, aproveitamos para degradar tudo que nos cerca.
O futuro do Rio Itajuba está em nossas mãos. Estamos optando por ter um rio sujo, poluído, com margens socadas de pedras disformes, praia com alteração de ondas, interferindo até na sua utilização para esportes, destruição das remanescentes matas ciliares com construções e atracadouros de embarcações, ocupação irregular com farto despejamento de esgotos. Que fique bem claro que o Rio Itajuba pode servir a todos, pescadores, turistas e moradores em geral de forma correta. Utilizar um rio de forma sustentável e inteligente vai atender a todos que tenham contato com ele.
Canal do Rio já assoreado após a construção de um molhe de contenção

Obras mal feitas servem apenas para desperdício de verbas públicas
Para solucionar a questão não precisamos de obras milagrosas. Realizar planejamento adequado, com pessoas comprometidas e capacitadas a executar a verdadeira recuperação do Rio Itajuba não é difícil. Não podemos mais executar ações baseadas em “achismos”. Alterar de forma torpe algo que a natureza tão sabiamente nos oferece é perda de tempo e recursos. Deixar o orgulho e a soberba preponderarem quando o que precisamos é união em torno de uma beleza natural já tão afetada por atitudes e desastrosas não é sabedoria. Vamos salvar o Rio Itajuba?