Na última semana precisamente no dia 25 de junho de 2016 aconteceu
uma cerimônia de entrega à comunidade de uma ação municipal na Praia de
Itajuba. O lugar em questão fica localizado na Praia das Pedras Brancas ou
popularmente Praia da Barrinha, nomeada assim por estar limítrofe a
desembocadura do Rio Itajuba. A famosa Barrinha do Itajuba já foi assunto e
tema de muitas e apaixonadas discussões, e agora não poderia ser diferente.
Porque elementos geográficos ou geológicos como florestas ou
uma praia ou mesmo um rio podem vir a se transformar abruptamente de belezas
naturais em problemas e debates muitas vezes acaloradas?
Para entender o que está acontecendo com a atual situação da
região do estuário do principal rio em Itajuba vamos voltar no tempo, a
aproximadamente 25 ou 30 anos atrás quando da explosão imobiliária na região
começou a discussão sobre o tema Barrinha de Itajuba. Imobiliárias locais ofereciam terrenos e
edificações já construídas para a venda de forma frenética, apregoando que a
região limítrofe ao longo do Rio Barreirinhas poderia inclusive se transformar
em uma marina para barcos esportivos ou de recreação. Aí você pergunta: Rio Barreirinhas? Sim, o
braço ou afluente que tem sua origem mais ao norte tem essa nomenclatura em
diversos mapas geofísicos e de microbacias da região. O nome Rio Itajuba é dado
ao braço mais a oeste, proveniente das antigas nascentes que estavam
localizadas do outro lado da BR 101 em direção ao bairro Medeiros. Com isso
muitas novas propriedades foram sendo implantadas com construções nem sempre
respeitando a legislação, culminando com inúmeras e devastadoras agressões ao
rio com a supressão completa de vegetação ciliar e desmatamento total de árvores
remanescentes da Mata Atlântica então presente.
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Esgoto e construções irregulares às margens do Rio Itajuba |
Com este cenário descortinando-se com inúmeras habitações e
até pequenas indústrias pesqueiras entre outras, despejando seus resíduos e
esgotamento sanitário diretamente no curso d’água, e somando-se a isso as
chuvas intensas começam a carregar terra, areia e outros entulhos para dentro
do leito do rio. Como isso acontece? Sem
a devida proteção proporcionada pela vegetação ciliar, que filtra esse resíduo,
toda e qualquer matéria orgânica e não orgânica não tem nenhum impedimento em
alcançar o leito do rio e ali se depositando. Com isso é natural que a
profundidade e mesmo a largura do rio inicie um gradual processo de diminuição,
chamado assoreamento, causando o primeiro problema sentido por todos os moradores
ribeirinhos e o bairro em geral; as
enchentes!
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Foz do rio em dia de enchente |
Lamentavelmente o problema das enchentes não é o mais grave,
apesar de incomodar a todos e proporcionar grandes prejuízos financeiros. As
enchentes bem como o fechamento da foz do Rio Itajuba (Boca da Barrinha) pela
areia e terra são apenas consequências. A causa de todos estes problemas tem
sua origem na diminuição de vegetação e supressão das árvores nativas de toda a
microbacia fluvial. Aí você pergunta: O
que? Como as árvores podem interferir no rio?
Como isso acontece? Inicialmente
precisamos entender que um rio só existe quando há umidade suficiente no solo
para que essa umidade aflore (chegue a superfície) formando um pequeno fio de
água corrente. Somando-se diversos fios de água, logo teremos um riacho e com
diversos riachos teremos um rio. As tão comentadas nascentes subterrâneas são
provenientes de afloramentos de água de aquíferos ou apenas infiltrações
resultantes de acumulação de águas represadas em outro local. Para que as
nascentes ocorram, é preciso que o solo tenha umidade suficiente para permitir
a expulsão desta água para a superfície, determinando o início de um riacho.
Sabendo disso vemos no caso específico do Rio Itajuba a diminuição lenta e
gradativa do volume de água produzido nas suas nascentes, chegando hoje a
existir apenas dois braços principais.
O acompanhamento e monitoramento dos volumes de água
existentes no leito do rio tem nos avisado de que a cada ano, a vazão diminui.
Segundo observações e acompanhamentos otimistas a atual vazão reduziu-se a 70% ou
60% do original ou até menos do que isto. Estima-se que anteriormente em
períodos de estiagem o rio supria de 250 a 300 litros por segundo na sua foz.
Nos dias atuais com estiagem prolongada a vazão muitas vezes não chega a 100
litros por segundo, chegando a casos extremos a não ter mais vazão e energia
suficiente para se sobrepor à força das ondas e das marés. Dessa forma nem a
areia trazida pelo mar e nem a terra levada pelo rio conseguem ultrapassar um
ao outro resultando no encontro das águas e encontro da terra com a areia que
acaba sendo depositado ali mesmo na foz do rio. Nos anos passados a
municipalidade até utilizava-se de tratores para de forma forçada abrir a foz
do rio para permitir o escoamento dos dejetos e lixo acumulado, fatos que
proporcionavam insuportável e fétido odor.
Os moradores e habitantes mais antigos podem ser consultados
sobre a fartura de peixes e crustáceos oferecidos pelo rio a mais de 30 anos
atrás. Quem não lembra inclusive das grandes quantidades de camarão presentes
às margens do rio quando anoitecia, proporcionando o recolhimento de forma
fácil e manual. Robalos de 3 a 4 kg ou até maiores eram pescados na confluência
do rio com a Rua João Fernandes da Costa.
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Tubulação sub-dimensionada para passagem do Rio |
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Praia fluvial que não mais existe |
Com este panorama delineado chegamos então agora ao tão
discutido assunto de realizar alguma obra para desassoreamento da foz do Rio
Itajuba. Essa ação foi solicitada por muitos como a salvação e solução de todos
os problemas que o rio passou a apresentar. Vamos deixar bem claro que nenhuma
obra que seja executada na foz do rio, em qualquer rio, seja a solução. A única
solução é recuperar de forma imediata do rio como um todo!
Apresentado um projeto pela municipalidade já no passado ano de 2015,
este foi realizado no primeiro trimestre de 2016 e finalizado no dia 14 de
março de 2016. A realização desta obra
segundo as autoridades foi uma solicitação da comunidade. As justificativas
apresentadas para a realização desta obra que custou R$ 1.131.224,95(um milhão,
cento e trinta e um mil, duzentos e vinte e quatro reais e noventa e cinco
centavos) foram diversas, mas as duas mais comentadas foram: “Extinção das
enchentes e acesso ao leito e margens internas do rio para abrigo e guarda de
embarcações de pesca”. O projeto, execução, custo, formatação e finalização foram
contestados por diversas entidades e pessoas, mas isso não foi levado em
consideração. Poucos meses depois de concluída a obra não cumpriu o que
prometia. Segundo consta, existe licenciamento ambiental autorizando o
empreendimento. Cumpre citar que licenciamento ambiental NÃO É a mesma coisa que Estudo de Impacto Ambiental. O primeiro
apenas autoriza a execução de uma obra que cumpra parâmetros básicos constantes
na legislação pertinente. O segundo demanda trabalho técnico elaborado com
extrema competência e atenção para estudar todas as possíveis alterações que
possam resultar na execução da obra em questão.
O fato é que apenas 4 meses depois da entrega da tal obra para a
comunidade, o rio volta a apresentar os mesmos problemas existentes antes de
sofrer a interferência.
O estudo de impacto ambiental mapeia e cataloga espécies e
espécimes endêmicas, sejam vegetais e animais. Estuda a alteração de direção de
cursos d’água, ação e direção das correntes marítimas sobre a costa limítrofe e
diretamente sobre a desembocadura do rio. Estuda como será alterada a
salinidade do rio em questão quando se realiza um alargamento e aprofundamento
mecânico da foz de um rio em contato com o mar. Estuda toda a mecânica das
águas com simulações e cálculos onde o encontro da água doce com a água salgada
muda completamente conforme se altera a configuração da jusante de um curso
d’água. Enfim, estuda tudo que possa de alguma forma criar alguma alteração que
afete negativamente o elemento em questão.
A motivação emocional nunca pode se sobrepor ao diagnóstico
técnico, ecológico e ambiental bem embasado numa obra desse porte, com risco de
que sejam criados mais outros problemas que soluções definitivas. Ficando bem
claro que mesmo na natureza não existem soluções definitivas. No caso em
questão além do gasto desnecessário de recursos públicos vemos que a execução
equivocada de um projeto está a gerar conflitos e outras ideias ainda mais
estapafúrdias. Agora até se comenta de realizar mais um pavoroso molhe de
contenção na margem sul do Rio Itajuba. Ou seja: Não estamos mais interessados
no rio. O rio atualmente virou um incômodo. De repente passou de herói a vilão.
Não satisfeitos em destruir uma das margens agora está se cogitando destruir a
outra margem também. Quanto mais se altera a configuração inicial de uma beleza
natural existente, mais se destrói esta mesma beleza. Até então tínhamos um
lindo rio com uma bela praia na sua margem esquerda (norte). Bela formação de pedras com visão
privilegiada do costão ali existente. Vegetação nativa em ambas as margens. Rio
limpo convidando ao banho e contemplação.
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Rio Itajuba após um dia de enchente |
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Foz do Rio Itajuba fechada pelo baixo volume de água |
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Abrindo a foz do rio com máquina |
A deposição de grande quantidade de areia na margem sul não
acontece por acaso. A alteração no fluxo das marés, a diminuição da vazão do
volume de água, a construção do molhe de contenção na margem norte, a intensa
quantidade de detritos levados para dentro do rio com as chuvas também são
coadjuvantes nesse processo. As alterações apresentadas acabam por mudar a
topografia e geografia das praias vizinhas, haja vista a própria Praia das
Pedras Brancas e também a Praia do Grant que já apresentam processos erosivos
graves. Ou seja, além de estarmos destruindo o rio, aproveitamos para degradar
tudo que nos cerca.
O futuro do Rio Itajuba está em nossas mãos. Estamos optando
por ter um rio sujo, poluído, com margens socadas de pedras disformes, praia
com alteração de ondas, interferindo até na sua utilização para esportes,
destruição das remanescentes matas ciliares com construções e atracadouros de
embarcações, ocupação irregular com farto despejamento de esgotos. Que fique bem
claro que o Rio Itajuba pode servir a todos, pescadores, turistas e moradores
em geral de forma correta. Utilizar um rio de forma sustentável e inteligente
vai atender a todos que tenham contato com ele.
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Canal do Rio já assoreado após a construção de um molhe de contenção |
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Obras mal feitas servem apenas para desperdício de verbas públicas |
Para solucionar a questão não precisamos de obras milagrosas.
Realizar planejamento adequado, com pessoas comprometidas e capacitadas a
executar a verdadeira recuperação do Rio Itajuba não é difícil. Não podemos
mais executar ações baseadas em “achismos”. Alterar de forma torpe algo que a
natureza tão sabiamente nos oferece é perda de tempo e recursos. Deixar o
orgulho e a soberba preponderarem quando o que precisamos é união em torno de
uma beleza natural já tão afetada por atitudes e desastrosas não é sabedoria.
Vamos salvar o Rio Itajuba?
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