segunda-feira, 24 de abril de 2017

As Águas de Barra Velha


A água sempre desperta paixões. Desperta cobiça. Também solidariedade e outras vezes insensatez. Segundo a teoria criacionista sua importância foi tão grande que ela, á água, surgiu no 3° dia da criação da terra, apenas atrás da luz e do céu. Teorias a parte sabemos que desde que há vida no nosso planeta, a água é a motivadora dessa vida e até quando se busca vida fora do nosso planeta a primeira preocupação é a procura por indícios da existência dela, a água a protagonista!
Muito menos importante numa escala mundial são as águas de Barra Velha. Desde quando a cidade foi fundada até o ano de 1975 não havia  sistema de distribuição de água e muito menos de esgotamento sanitário. Aliás, este último até hoje não está presente no município. Então as águas para consumo urbano e rural provinham de poços e de rios ou riachos. Em 31 de dezembro de 1970 foi criada a CASAN (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) pelo então Governador Colombo Salles como empresa de economia mista. A partir do ano de 1975 através de contrato firmado pelo período de 30 anos a CASAN atuou na administração do sistema de saneamento básico de Barra Velha até o ano de 2005.

Muitos problemas e discussões ocorreram ao longo desse longo período de 30 anos de contrato e a prorrogação dele acabou não acontecendo por uma série de demandas não atendidas pela então gestora CASAN.  Assim foi criada a gestão compartilhada nomeada de Águas de Barra Velha que atuou de 2005 a 2009 durante a gestão dos então prefeitos Valter Marino Zimmermann (2005 a 2008) e Samir Mattar (2009 a 2012). Em 4 de agosto de 2009 por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) na decisão judicial do então Ministro Rui Falcão o sistema foi municipalizado e a gestão entregue para a Prefeitura de Barra Velha que terceirizou essa gestão para a empresa ENOPS Engenharia até setembro de 2011.  Apenas no mês de agosto de 2011 através da Lei 115/2011, foi criado o Conselho Municipal de Saneamento Básico de Barra Velha, órgão gestor auxiliar que com metodologia própria tem a função de fiscalizar e auxiliar na tomada de decisões referentes ao sistema de Saneamento Básico e Gestão de Resíduos do Município de Barra Velha.
De setembro de 2011 a dezembro de 2012 foi assinado um convênio de 18 meses para gestão temporária e mais algumas prorrogações de contrato após isso foram emblemáticos na exposição do imenso problema em que foi se transformando a administração desse bem tão precioso.

Tudo isso dito e registrado com o intuito de demonstrar que inúmeros conflitos existiram nesse período de 42 anos onde se tratou sobre a gestão da água e esgoto no nosso município. Hoje não é diferente, enquanto muitos acreditam que a administração de um sistema assim deve ser realizada pela atual gestora a CASAN, outros tantos defendem apaixonadamente que a municipalização deva retornar nesse caso. Cada lado com seus argumentos e também cada um com acusações de lado a lado para justificar suas teorias aplicáveis à demanda necessária.
Contam algumas vozes políticas de Barra Velha que diversas empresas se apresentaram para participar do pregão licitatório no ano de 2013 para se candidatarem a gestores do saneamento, mas foram barradas pelo então governo municipal.  As mesmas também comentam nos bastidores sobre questões de ordem financeira onde o município era devedor de uma considerável monta de dinheiro a antiga gestora Casan, fato que acabou alavancando a escolha dessa para continuar a administração das águas e esgotos barravelhenses.  Se as “conversa de esquinas” são verídicas ou não pouco ajuda na problemática apresentada.
O que temos então para o momento que vivemos no presente é que novamente volta-se a ouvir conversas nas esquinas sobre quem deveria cuidar e administrar o sistema de águas. Também de forma tímida e bem lenta começa-se finalmente a debater sobre o que fazer com o gravíssimo problema do esgotamento sanitário,  fato presente que provoca debates acalorados. Lamentavelmente o nosso município, como muitos outros no Brasil, não possui coleta e nem tratamento de águas servidas. Aproximadamente Durante décadas a água era o assunto e o esgoto, como tudo que é sujo, foi sendo escondido e relegado a segundo plano.

Nesse mês de abril de 2017, a Câmara Municipal de Vereadores de Barra Velha solicitou a presença da gerência administrativa da empresa CASAN em seu plenário para que esta realizasse explanação às dúvidas sobre cronogramas e valores a serem investidos no município pelos próximos anos. Esse fato não é novidade visto que na administração passada e anterior composição do Legislativo Municipal isso já havia sido realizado algumas vezes. Pouco foi acrescentado a tudo que já era público por ocasião da aprovação do Plano Municipal de Saneamento, no ano de 2010. O que ficou claro na Sessão Ordinária realizada no último dia 4 de abril de 2017 onde as respostas aos questionamentos foram dadas aos parlamentares e público presente, foi o pouco preparo do legislativo em formular questionamentos pertinentes ao tema e o parco domínio sobre o assunto.  O que também ficou claro foi a pouca importância dada ao tema tratamento de esgotos.
Uma das principais funções de uma Casa Legislativa é sim fiscalizar e cobrar metas e contratos públicos firmados. Mas espera-se que essas cobranças venham de encontro às verdadeiras necessidades e dúvidas dos munícipes, e não sirvam apenas para satisfazer opiniões pessoais ou políticas de parlamentares.  Fica claro que essas quatro décadas que passaram com a disputa sobre a gestão do saneamento em Barra Velha, transformou-se em embate político-financeiro. Com a parte técnica, primordial para o sucesso deixada de lado,  meses e até anos vão passando, angustiando cada vez mais uma população que agora se vê literalmente cercada por um mar de esgoto.
De forma inexplicável vemos agora uma empresa gestora com recursos captados, aprovados e prontos a serem investidos, esperando que a morosidade política resolva quando milhões de reais serão utilizados para benefício de toda uma população.  Também vemos que muitas decisões tomadas pela gestora do saneamento atendem mais a interesses logísticos próprios do que as demandas da cidade e da população. Enquanto uns querem construir uma estação de tratamento de esgotos-ETE num bairro outros preferem que a prioridade imediata seja em outro bairro.  O atendimento as demandas públicas essenciais deve sempre priorizar o público alvo e não interesses econômico-financeiros ou logísticos.

 O fato concreto é que no dia de hoje, em Barra Velha não existe nem um centímetro sequer de tubulações de captação de esgotos instalada e funcionando. Nem é preciso mencionar que nenhum processo de tratamento de efluentes, que continuam sendo despejados de forma indiscriminada em qualquer lugar. Segundo o IBGE até dezembro de 2016,  44,8% das cidades brasileiras não possuíam nenhum sistema de tratamento e coleta sanitária! Atualmente 6 das 9 cidades do litoral norte catarinense não possuem nenhum sistema de coleta de esgotos. Apenas os municípios de Itapema, Balneário Camboriu e Itajaí tem alguma cobertura nesse serviço básico.
Cumpre citar que o planejamento do saneamento de Barra Velha previsto no Plano Municipal de Saneamento foi elaborado pela gestão municipal no ano de 2010, pela empresa contratada AMPLA-Consultoria e Planejamento a um custo na época de R$ 77.400,00 e enviada ao Ministério das Cidades para aprovação. O que destoa da rapidez no cumprimento dos prazos então estabelecidos por este Ministério no envio do plano, são os diversos erros de planejamento e execução operacional que este plano determina no seu escopo. Um dos destaques negativos nesse plano é o estabelecimento da captação alternativa de água bruta no Rio Itapocu. Importante salientar que o local escolhido e aprovado pelos poderes executivo e legislativo municipais é equivocado  permitindo a coleta de água bruta salinizada, deixando-a inapropriada ao consumo humano. Erros desse tipo demonstram desconhecimento ou mesmo pouco caso na importância da tecnicidade de um processo que bem elaborado poderia já estar sendo executado a alguns anos.

Fica também o questionamento sobre o porquê da existência de um Conselho Municipal de Saneamento, se as tomadas de decisões e ações pertinentes não são apresentadas ao Conselho para debate e aprovação, vindo já pré-aprovadas apenas para apreciação. Afinal entre as funções do Conselho constam a apresentação de ideias, fiscalização, estudo de projeções e projetos vindos tanto do Governo Municipal quanto do gestor do serviço de águas e saneamento e resíduos sólidos. A participação e ação de um Conselho Municipal de Políticas Públicas  como auxiliar na tomada de decisões é constitucionalmente garantido no texto da Constituição Federal de 1988.

Todos acontecimentos até hoje evidenciam uma grande disputa política desnecessária ao bom funcionamento desse importante sistema público.  As políticas públicas nunca deveriam ser submetidas à política partidária ou a conveniências financeiras pontuais. Os meses e anos passam rapidamente e com o rápido aumento da população, as demandas para suprir água, estruturas de esgotamento sanitário e outros serviços de saneamento tornaram-se grandes problemas. O meio-ambiente e saúde pública passam a ser sacrificados em nome de um eventual progresso futuro.
Com a retomada da prestação de serviços de saneamento básico em Barra Velha pela CASAN em 2013 é natural que a pressão exercida pela população na melhoria dos serviços apresentados só aumente, principalmente se levando em conta que a nossa cidade é balneária e sofre as consequências de não ter coleta de esgotos. Por décadas só se falava em água tratada. Agora o leque das necessidades prioritárias aumentou drasticamente principalmente com o expressivo aumento populacional da cidade. O fato é que o oferecimento de água tratada não aumentou o quanto deveria apesar dos investimentos consideráveis na ampliação da rede distribuidora de água, ultrapassando 45 km de tubulações nos últimos 3 anos com investimentos que ultrapassam R$ 1.810.000,00. Em contrapartida o esgoto continua a ser o “patinho feio” e nada até o presente momento foi feito!

Fica claro que o esgoto não é e nunca foi prioridade de nenhum governo ou gestor de sistemas de saneamento. Apenas em meados de 2016 começou um planejamento para a futura implantação de esgotamento sanitário a ser iniciado no bairro de Itajuba. Com o projeto em fase de orçamento, o SES (Sistema de Esgotamento Sanitário) tem a previsão de investimento na ordem de R$ 17.238.550,00. Bairros prioritários para o saneamento por suas características físicas como a Quinta dos Açorianos acabam por ficar relegados a segundos planos, e sem cronogramas definidos, apesar da premente necessidade e vontade popular.
A apresentação pública dos ativos realizados pela gestora do saneamento em Barra Velha demonstrou esse descompasso e descompromisso com o esgotamento sanitário. Muitas obras para a água e até agora apenas projetos futuros para o esgoto. A CASAN está atuando em Barra Velha a pelo menos 33 anos, com mais pelo menos 27 anos pela frente. Urge que resultados muito mais positivos sejam apresentados em curtíssimo prazo sob pena da já abalada credibilidade fique ainda mais desgastada.  Comparativamente durante o período de aproximadamente dois anos no qual a empresa ENOPS geriu o saneamento barravelhense, o aumento da oferta de água tratada saltou de 60 litros por segundo para 140 litros por segundo. É sabido que apesar de todo o tempo e investimento realizado pela atual gestora a oferta de água tratada está no operando no limite a alguns anos propiciando até a falta do produto quando a estiagem prolonga-se por mais de 25 a 30 dias.  A insatisfação da população com a atuação da gestão do saneamento só aumenta com os resultados apresentados. Não é de hoje que se nota a aparência suspeita da água apresentada nas torneiras da população.  Justificar com fracos argumentos as águas barrentas, brancas, pretas ou qualquer outra coloração que não seja a transparência natural de uma água de qualidade não transmite e nem aumenta a confiança dos moradores. É preciso mostrar resultados concretos que justifiquem uma permanência de qualquer gestora num serviço essencial como a água.

Barra Velha já sofreu muito com o tema e a solução real não passa por vontades políticas atiradas à queima roupa. Gestão técnica, eficiente a um custo/benefício transparente e público é a solução para que as águas de Barra Velha fiquem transparentes da forma como deveriam ser. Disputas políticas nada agregam e nada contribuem para que mais água e de melhor qualidade seja ofertadas.  Segundo A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima-se que 88 % das mortes por diarreia no mundo sejam causadas por falta de saneamento básico adequado. Dados do SUS informam que a média de internações por diarreia no Brasil é de 400.000 pacientes por ano. Não temos estatísticas na cidade de Barra Velha, mas a grande incidência de doenças de pele e manifestações gastrointestinais aqui, certamente tem como uma das origens a problemática apresentada. Seja quem gerir o saneamento básico em qualquer lugar, em qualquer cidade, a responsabilidade social dessa gestão precisa priorizar a qualidade de vida. 
A cidade e o país já estão atrasados no cumprimento da lei e no quesito responsabilidade social pública. Em se tratando de um bem essencial e que deve ser acessível a todos com qualidade então estamos ainda mais defasados. A valorização do ser humano é a prioridade, não a logística nem as finanças.




terça-feira, 11 de abril de 2017

A Lagoa de Barra Velha

Barra Velha com vista para a Laguna
Que o litoral catarinense é pródigo em belas paisagens e vistas deslumbrantes ninguém tem dúvidas.  São 561 km de extensão de praias, falésias, dunas, baías, restingas, desembocaduras, lagoas e lagunas e tudo mais que são tão característicos da nossa região. A diversidade da geografia litorânea catarinense é imensa, e especificamente Barra Velha foi contemplada pela natureza com ótimas opções de praias e orla marítima.
Já relatamos em edição anterior do Folha Parati (Edição nº  158) sobre a exuberante formação geológica da Praia de Pedras Brancas e Negras. Hoje destaco a Lagoa de Barra Velha. Localizada no nordeste do Município de Barra Velha, tem 5.800 m de comprimento localizados em Barra Velha e mais 5.700 m localizada no vizinho Município de Barra do Sul.
Localização da Laguna de Barra Velha pelo Google Earth
A história recente registra o descobrimento desse destaque geográfico como ocorrido no século XVI ao redor de 1504, portanto contemporâneo ao descobrimento e colonização da região de São Francisco do Sul (1503-1553) quando o capitão Binot Paulmier de Gonneville e sua expedição aportaram vindos da França. Sem comprovação efetiva, existem relatos do ingresso de Gonneville pelo estuário do atual Rio Itapocu onde hoje estão localizadas as barras dos municípios de Barra Velha e Barra do Sul. De outra forma, já comprovadas são as expedições do navegador português Aleixo Garcia ( ?? – 1525) que ao redor de 1520 explorou o litoral norte de Santa Catarina, tendo suas rotas seguidas e aumentadas por Cabeza de Vaca.
Álvar Núñes-Cabeza de Vaca navegador e explorador espanhol a serviço da Coroa Espanhola adentrou a foz do Rio Itapocu em novembro de 1541 com destino aos Andes e Oceano Pacífico, tendo com isso descoberto em janeiro de 1542 as Cataratas do Iguaçu no Paraná e também grande parte do famoso Caminho do Peabiru.

A formação geológica das lagoas de Barra Velha e de Barra do Sul é muito anterior às conquistas de territórios e disputas por continentes pelos espanhóis, franceses, holandeses, ingleses e portugueses nos séculos XIV, XV, XVI e XVII. Nossa costa e regiões limítrofes tiveram sua formação como conhecemos hoje, ainda no Período Holocênico ( 12.000 anos atrás) perto do fim da última Era Glacial ou Era do Gelo, portanto relativamente jovens se formos comparar com o Planalto Catarinense (Paleozóico-550 milhões de anos). Nessa época com a deposição de sedimentos vindos das regiões mais altas e como resultantes de ações erosivas do oceano e chuvas, as praias foram formadas e consequentemente a Lagoa de Barra Velha. A desembocadura do Rio Itapocu (Pedra Comprida em Tupi-Guarani) acabou formando-se nos sentidos sul e norte de forma homogênea pelas características de vazão do próprio rio. Sendo um rio de planície costeira, suas águas desenvolvem pequena velocidade de escoamento e dessa forma enfrentando as fortes correntes marítimas ora a sul ora a norte proporcionaram a formação de bolsões de água salobra em ambos os sentidos.
Foz do Rio Itapocu com a Laguna de Barra Velha no encontro com o mar
Tecnicamente falando a “lagoa” de Barra Velha NÃO é uma lagoa! Geologicamente falando trata-se de uma laguna por ter algum tipo de ligação com o oceano, fato comprovado na foz do Rio Itapocu. Uma lagoa ou lago é uma porção de água circundada de terras mais altas em toda a sua volta.  Tecnicidades mantidas, a característica da Laguna de Barra Velha tem pelos motivos acima apresentados uma pequena profundidade visto que na maré alta sua profundidade máxima não atinge mais de 2,5 metros. Com largura variando ao redor dos 200m podemos então calcular uma capacidade volumétrica aproximada de 2,79 milhões de metros cúbicos de água ou 2,7 bilhões de litros de água.
A capacidade volumétrica bem como a balneabilidade da laguna de Barra Velha tem sido drasticamente alterada nas últimas décadas, seja pelo natural assoreamento causado pela deposição de sedimentos arrastados pelas chuvas, ou seja, pelo despejamento de esgotos motivado por práticas irresponsáveis de gestão ambiental.  A grande quantidade de edificações erigidas nas margens somada ao mau uso do parcelamento do solo e práticas ilegais no mau trato com resíduos tem contribuído para transformar a outrora linda laguna em local não recomendado. A drenagem de terras limítrofes com a utilização de tubos e valetões aumentam a cada dia a deposição de areia e terra no leito da laguna, diminuindo a profundidade da mesma.

A pouco mais de duas décadas a laguna servia como praia de água doce muito bem frequentada e local de desportos aquáticos. A pesca era abundante atraindo muitos para o local. Hoje o desleixo apresentado proporciona o afastamento de contato com suas águas que a cada dia exalam os odores típicos provenientes de esgotamento sanitário.  Fala-se muito em desassoreamento do leito da laguna, mas pouco na extinção de despejamento ilegal e irregular de esgotos no seu leito. O que antes era um atrativo diferencial e que até batizou a cidade, agora se transformou num enorme problema. A antiga barra velha do Rio Itapocu, localizada bem no início da atual Praia da Península na Rua Armando Petrelli também não mais existe, descaracterizando o próprio nome da cidade.
O fato é que urgentemente a comunidade e poder público precisam se unir sem politicagens e sem “achismos” mas de forma transparente e técnica em torno da Laguna/Lagoa de Barra Velha, antes que ela literalmente desapareça sob o manto da irresponsabilidade no trato ambiental. Todos ganharão com isso. Pelo bem de Barra Velha!

 
Vista aérea da Laguna de Barra Velha e a Rua Armando Petrelli