Tenho uma relação bem íntima com Barra Velha, pois por alguns
meses do ano nós dois, eu e ela temos a mesma idade. Ela “nasceu” oficialmente
no dia 07 de dezembro de 1961 e eu... bem, eu tenho uns poucos meses a menos de
idade. Vejo essa relação de uma forma bem próxima, íntima até, pois tudo que
nela acontece me atinge da mesma forma. Penso como eram os tempos em que os
antigos habitantes de nossa região, provavelmente os índios carijós segundo
documentos datados de 1504, quando o corsário francês Binot Paumier de
Gonneville, por aqui chegou com a sua nau L’Éxpoir, a mando da coroa
portuguesa. Como eram as matas, os rios, as praias, a lagoa de Barra
Velha? Segundo relatos, o explorador
francês acompanhado do Cacique Arosca, encontrou uma barra que recebia água de
dois rios (Itapocu e Cancela) e que juntos desembocavam numa lagoa que
despejava suas águas por um canal de boa profundidade.
Com a ação dos ventos e fortes marés, esta barra antiga
fechou-se separando os dois rios e esta ação acabou por proporcionar uma grande
inundação no local, fato muito comentado entre os índios da região. Hoje, após
sucessivas mudanças de lugar, a tão falada “Barra da Lagoa, ou Barra do
Itapocú” está situada a aproximadamente 7 quilômetros do local onde
originalmente as águas fluíam para o mar.
Muitas outras mudanças aconteceram na nossa cidade, como o
aterramento de parte da atual praia central, canalização dos Rios Cancela e
Veludo e aterramento de nascentes de água límpida que eram utilizadas pelos
indígenas, navegadores e exploradores da região. Também pouco a pouco a
ocupação humana intensificou-se com a colonização pretendida pela Corte
Portuguesa. Aí já começaram os problemas, visto que a cultura expansionista e
posseira dos europeus colonizadores era completamente oposta a cultura
preservacionista dos indígenas. Nunca um índio usaria um rio para despejar ou
realizas suas necessidades fisiológicas, visto que era dos rios que tiravam
parte do seu sustento, matavam sua sede e também era nos rios que se banhavam e
onde as crianças se divertiam, deixando
o mar apenas para ocasiões especiais como rituais e oferendas.
O “selvagem indígena” não realizava desmatamentos para
construir suas ocas, apenas mantinha pequenas porções de terreno limpo para
estas habitações, mantendo a floresta ao seu redor intacta de forma que não
precisasse se deslocar muito para adquirir a tão desejada caça para sua
sobrevivência. Também se descobriu com estudos que indígenas da nossa região
realizavam comércio com os longínquos indígenas dos altiplanos peruanos,
através de um sofisticado e intrincado sistema de caminhos que hoje conhecemos
como Caminhos do Peabiru (caminho do gramado amassado). Com o passar do tempo e
lenta expulsão e extinção dos povos tradicionais, a cultura europeia,
predominantemente a portuguesa/açoriana tomou conta de toda a região da orla
limítrofe com o oceano, de forma a realizar comércio e serviço com as embarcações
que apareciam cada vez maior número a partir do século XVII. Alguns dos maus hábitos também foram trazidos
com os colonizadores europeus, entre eles o costume de canalizar suas águas
servidas e esgotos por valas e valetas no meio das ruas dos povoados,
terminando de despejá-las nos rios mais próximos de suas casas. Este foi um dos
principais motivos do evento da peste de Lisboa, no ano de 1569 que chegou a
matar 60.000 pessoas, quase um terço da população da época, chegando a 600
mortes por dia nesta cidade.
Outro costume abominável que se repete e multiplica
diariamente é o desmatamento sem nenhum critério para a construção de moradias.
Muitas vezes esses desmatamentos acontecem em áreas pouco propícias a ocupação
humana como áreas alagadiças ( região da Quinta dos Açorianos) ou então a
famigerada ocupação irregular das margens dos rios.(região de Itajuba, São
Cristóvão e Centro). A falta de critérios adequados para a ocupação humana não
é recente na nossa história, e essa história prova que essa ação descontrolada
sempre acaba por provocar cada vez mais problemas.
Vemos que apesar de mais de cinco séculos terem passado ainda
pouco evoluímos na questão ambiental na nossa região, visto que até hoje, Barra
Velha não possui nem um único metro de canalização para esgotamento sanitário e
nem tratamento deste mesmo esgoto. Todos os dias centenas de residências
despejam seus efluentes em valas ou de forma clandestina e ilegal nas
canalizações das águas pluviais (chuva). Da mesma forma a ocupação imobiliária das
terras sem o devido cuidado com a natureza está criando muitos problemas, por
vezes insolúveis.
Ontem, ainda na minha infância eu ia com meus pais catar
pequenos camarões na foz do Rio Itajuba. Passeava na praia a noite sem
preocupação com lixo e eventuais cacos de quebrados nas nossas praias. Nadava
na lagoa de Barra Velha, atravessando-a ali bem perto do atual Corpo de
Bombeiros. Tomava banho muito feliz também no Rio Itajuba com meus amigos e
primos. Andava pelos matos, apesar das proibições dos pais, desbravando a
floresta fechada cheia de canários, preás, cutias, gaviões, cobras e borboletas
e a noite ficava horas admirando os milhares de vaga-lumes que apareciam!
Hoje, quase não se vê mais vaga-lumes. Onde estão os gaviões
e as borboletas? Desapareceram, junto com quase todas as nossas matas que
mantinham nossa cidade mais fresca nos dias quentes de verão. Não pense que o
calor está cada vez mais forte por aqui. Sempre foi assim, mas havia as árvores
que quando passava uma brisa por elas, refrescava o calorão intenso que fazia.
Agora a solução é encher uma casa com ventiladores e ar condicionados, visto
que o mar ainda é uma opção para a diversão e refresco, pois os rios já não
servem mais de tão poluídos e cheios de detritos.
A pergunta que realmente não pode calar é: O que queremos
para nossa cidade para o amanhã?
Estamos apenas usando e estragando tudo que nos rodeia, e
isso além de nos trazer muitos problemas, ainda nos custa caro. Ter uma cidade
agradável e bonita para viver é fácil! Pergunto a você amigo leitor, quantas
árvores você já plantou na tua vida? Mas tenho certeza de que você já cortou
algumas delas, seja porque elas estavam “sujando” o teu quintal com folhas ou
ainda pior, você “precisava” cortar estas árvores que estavam atrapalhando a
construção da tua nova e bela casa. Será que com um planejamento e projeto
arquitetônico adequado as árvores não poderiam ter sido poupadas? Você sabia
que as folhas que caem das árvores não são lixo, são apenas folhas que
depositadas em locais adequados produzem um excelente fertilizante que pode ser
utilizado em pequenas hortas ou mesmo canteiros de flores. Jogar esgotos nas
valetas perto da tua casa não é atitude inteligente e sensata, além de ser
ilegal passível de multa entre outras penalidades. Arremessar lixo nos rios e
praias é crime além de demonstrar toda a tua falta de cidadania e respeito com
as outras pessoas e meio ambiente.
Inúmeras ações impensadas estão tornando nossa cidade um
local não mais tão agradável para se viver. Visto que muitas pessoas que aqui
moram acabam por se deslocar para outros locais para “curtir a natureza”!
O que realmente queremos para o amanhã de Barra Velha?
Queremos ser igual a qualquer cidade litorânea cheia de edifícios a beira mar,
inúmeros comércios e serviços funcionando sem critérios, que acabam por afastar
as pessoas que aqui vivem e que vem nos visitar? Queremos uma cidade com muitas construções
novas, mas sem a infraestrutura necessária de serviços que penaliza a todos,
principalmente no período de férias e verão?
Nosso amanhã pode ser muito bonito se todos estiverem unidos
num bem maior que é cuidar do nosso maior patrimônio que é a natureza. Barra
Velha possui atrativos naturais mal utilizados e explorados. Nenhuma boa praça
de lazer com árvores, talvez um lago e outras opções. Ainda não temos um Parque
Natural com grande área verde para a contemplação da natureza. Estamos
trabalhando para que isso aconteça, apesar da grande resistência do
expansionismo imobiliário. O turista quer tranquilidade, natureza, ar puro e
segurança para poder desfrutar momentos de lazer com amigos e família. Nós os
moradores também merecemos um lugar aprazível para morar onde possamos nos
sentir reconfortados.
Conciliar o desenvolvimento sustentável de uma cidade pequena
como a nossa não é difícil. Basta que cada um faça a sua parte cuidando de tudo
a sua volta. Poder público comprometido
e atuante, elaborando e cumprindo as leis vigentes de forma organizada, junto
com população compromissada e focada na preservação dos nossos bens naturais é
a chave para num futuro bem próximo nossa cidade possa ser um modelo e exemplo
a ser seguido. Executar um bom Plano Diretor onde as demandas de qualidade de
vida sejam respeitadas é um bom começo. Não basta poder, é necessário querer.
Sem mudanças estruturais profundas e no modo de pensar, logo seremos apenas
mais uma cidade litorânea qualquer, sem atrativos e desinteressante. Valorizar,
respeitar e despoluir os recursos naturais como nossos rios é questão de
sobrevivência, além de poderem se tornar novamente ótimos atrativos turísticos.
Muitas cidades estão revitalizando as margens de seus cursos d’água ordenando e
retirando ocupações irregulares de forma a transformar um canal de lixo e
esgoto em fonte de lazer e diversão.
Barra Velha e região têm um enorme potencial de natureza e
turística. Agora é a hora de respeitarmos a natureza que ainda nos rodeia e
recuperarmos o que já destruímos, antes que seja tarde demais. Não esqueça
turismo, natureza e meio ambiente sempre andam junto!
Sabendo hoje o que já fomos ontem, podemos planejar para nós
um lindo amanhã! Parabéns nossa linda Barra Velha pelos seus 53 anos e muitos
mais e cada vez melhores no nosso futuro!
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